olá, sim, este é mais um texto que pega carona na boleia já muito lotada do caso do momento: o Podcast em que a escritora Vanessa Bárbara relata o abuso psicológico e a traição que sofreu de seu ex-marido, ex-prestigiado jornalista e sócio da Todavia, e a denúncia da existência de um grupo de e-mails chamado FPC (fotos pós-Chernobyl) que, vazados na imensidão internética, veio perturbar o conforto de homens famosos do mundo editorial.
mas não, não é exatamente sobre isto. para saber um resumo jornalístico recomendo Mônica Bergamo, para um texto irretocavelmente feminista recomendo Milly Lacombi, para ir além nos buxixos e machismos do mercado editorial, o Rodrigo Cesarin no Página Cinco. eu, que sou ninguém e muito menos jornalista, não vou dar resumo algum. meu interesse particular, aqui, são os pronunciamentos dos homens vazados e denunciados, mas não o seu conteúdo, e sim as plataformas e mídias em que desculpas, mea culpas e ataques foram surgindo. a explosão do assunto nas redes sociais e a necessidade de esclarecimentos fez florescer, como estrume às flores (aqui, estou citando Flaubert!!!), os diversos meios que escritores famosos escolheram para comunicar o público.
André Conti, o ex-marido (assim o chamarei a partir de agora), usou o Medium, revelando, além de todas as coisas terríveis (como não lavar a louça e quebrar objetos por raiva), a sua idade avançada ou o seu desconhecimento da internet. o perfil dele na plataforma — que já foi alguma coisa e agora é terra-de-ninguém — só tem esse texto, talvez por ser mimado e ter sempre espaços respeitáveis na grande imprensa e não precisar sequer saber qual é a plataforma da moda. ou, então, ele saiba do baixo alcance do Medium e que seu texto, logo logo, vai sumir da primeira página do google — texto que, para quem não leu, é um longo pedido de desculpas quase absolutas, sem fazer ressalva alguma, como se estivesse diante de deus ou do diabo.
Daniel Galera, o famoso escritor gaúcho, de quem uma amiga minha disse “a barba ensopadassa de sangue”, escolheu o Bluesky para se comunicar, printou os bluets e pôs lá no story do Instagram. ele diz, mais ou menos, o que os outros disseram, mas com alguma veemência sobre sua mudança e sobre ser pai (eu na verdade esqueci grande parte do que ele disse e agora fui procurar de novo, e parece que seus perfis no bluesky e no instagram foram excluídos?)
Falando em Instagram, o escritor de Marrom e Amarelo, Paulo Scott, escolheu o Instagram diretamente e importou duas vezes (um texto tão comprido que teve de deixar as letras bem pequenininhas) no feed — aqui, há algo de corajoso: enquanto os outros foram de stories, ele colocou no feed. confesso que tive dificuldades de ler as letras pequenininhas* e que, no geral, comentava que ele falava muito pouco nesse grupo, entre outros repúdios e concordâncias, num tom mais — bem mais do que o Galera, o Laub e o Joca — arrependido, porém um pouco como eu fui parar aí?, talvez porque nem branco ele é, e a Vanessa meio que disse no podcast que era um grupo de homens brancos, etc.
*depois eu descobri que ele tinha colado o texto na legenda e fiquei meio amargurada de ter passado tormento com a fonte e a quantidade absurda de palavras.
Outro pedido de desculpas que começa com um tom melancólico e termina defendendo-se com alguma cólera mais excessiva é o de Xerxenesky que escolheu aqui, o Substack. o Substack, aliás, está ganhando com a treta toda, talvez seja o maior palco do desenrolar das ações, finalmente alçando o desejado lugar de rede social que os seus CEOs, com comentários, botões de follow e etc, implementaram. isso não por causa de Xerxenesky, mas de duas mulheres que, como mulheres, nunca foram citadas no podcast, mas envolvem-se diretamente (ou amorosamente) com os denunciados.
Natércia Pontes, atual esposa de André Conti, de quem as redes sociais já trataram de presumir condescendências culposas (como se ela fosse marionete do marido, como se não pudesse ser cínica ou pensar coisas assim por si só, como se tivesse que ser libertada de uma prisão, como se o ódio entre mulheres não passasse de uma fantasia muito fácil de transpor tal qual um pequenino portãozinho — [é ou não é?]), publicou seu texto que roda e roda por aí aqui, no Substack. vou me abster de comentar qualquer coisa, eu sou fã (agora confessa) dos livros da Natércia, os único que eu li de todos os envolvidos. a única coisa que vou dizer: Vanessa Barbara, no podcast, repete algumas vezes que se tornou cínica, mas o cinismo não transparece no seu texto, nem na sua voz — já o texto de Natércia, meus amigos, é uma aula de cinismo. Natércia parece não temer o ódio ou a piedade da turba e postou link para esse texto no feed do seu instagram, no seu bluesky, e sabe-se mais lá onde.
Foi aqui também que a jornalista Marie Declercq — de quem, como qualquer pessoa sensata do twitter, eu sou fã — envolvida na treta apenas por namorar o Pelizzari (de quem eu gostaria de escrever mais para chamá-lo apenas de cabra mas ele sumiu e deletou todas as redes, ao que parece) — escreveu um comentário achincalhando-nos por nos acharmos perfeitos, inocentes, por nunca termos cometido nada de ruim na vida. não sei se ela está feliz com essa decisão porque agora, no Twitter e no bluesky, printam esse comentário junto com outros prints de textos que ela é bastante conhecida: a investigação de fenômenos online da misoginia, como incels, channers e, para azar dela, mulheres manipuladas por homens.
os meus favoritos são os que usam blogs pessoais. apesar dos jornalistas, como a Bergamo, chamar o substack de Natércia de blog pessoal, não é — aqui, estamos numa plataforma, numa rede social. Joca Reiners Terron, por exemplo, usou seu próprio site para uma nota muito curta, quase insípida, um pouco à sua maneira e colocou o link em seu story do instagram. já já ele cobre o post com algumas preciosidades literárias. Michel Laub também usou seu site pessoal, mas escreveu um tantão. no final do texto, ele faz duas coisas curiosas: fala do livro que escreveu, Tribunal de Quinta-feira, e diz que ameaças e etc serão levadas a um advogado — potencialmente, uma das piores coisas que alguém poderia fazer nessa situação — ao reclamar da punição das redes, do cancelamento em massa e etc, ele devolve com uma ameaça de mais punição, a jurídica.
por fim, a Todavia colocou um comunicado no feed do Instagram muito controverso que sublinha que o caso aconteceu há 14 anos — e vem recebendo, talvez diariamente, ameaças (de não comprar mais livros?), pedidos de demissão do sócio, declarações de desapontamentos, requerimentos de uma política pelas mulheres escritoras e trabalhadoras do mercado editorial (seria um sonho!!!!!).
ora, mas por quê esse interesse, você me pergunta? ora, esta é uma oportunidade de ouro para ver como escritores muito bem estabelecidos, que lançam livros quando terminam de escrevê-los, que escrevem colunas em jornais e revistas, comunicam-se com a ralé, nós, aqui, espremendo cada gota desse pano de prato molhadíssimo (depois de lavar e secar toda aquela louça suja). já avaliar qualidade literária deles, não acho justo: vi muita gente por aí alegando que dava para ver como são ruins só pelas notas, mas veja vem, sim — um livro é reescrever, e também é editar — ninguém escreve bem, da noite para o dia, tentando salvar sua reputação que escorre como areia pelas mãos. ninguém está muito preocupado, no momento, em lhes mostrar suas qualidades literárias. mas, na verdade, deveriam.
e esse é o assunto principal dessa newsletter, ufa. vamos voltar à denunciante, a Vanessa. toda a sua história foi também novidade para mim, mas, como agora muito bem se sabe, foi contada em seu livro Operação Impensável, lançado em 2014, pela Intrínseca, e até ganhou um prêmio. toda essa ficha leva a crer que é um livro relevante e competitivo pelos parâmetros do mercado. todavia, é uma ficção. também soube que essa história já tinha sido publicada na Piauí, inclusive com entremeado pelas falas da instrutora de auto-defesa tal qual o podcast se apropria de maneira sonora. e por quê só agora o assunto estourou?
e mais, como se não bastasse um livro, tem dois publicados sobre o assunto (e, a partir do rebuliço, talvez venham aí… quem sabe quantos mais?). é o livro do Laub, Tribunal da Quinta-feira, de 2016, publicado pela Companhia das Letras que, pela sinopse, ele até que poderia regojizar-se ao testemunhar, na vida real, o que escreveu em ficção, já que se acha em meio a um tribunal. como eu disse, ele cita o seu próprio livro no seu esclarecimento/pedido de desculpas/ameaças jurídicas. dois livros publicados — talvez um seja resposta a outro, não sei, não li nenhum —, um ensaio na piauí, vai saber quantas indiretas em newsletters e blogs pessoais e tuítes… e nada. a gente dormitava indiferente, eles em paz.
é de se pensar que o podcast pode ser (veja bem, pode ser, e não que é) um meio com potencial de massificar informações, como fora um dia o rádio. tento, aqui, inumerar algumas suposições. 1. a radio novelo já conquistou um grande público fiel. 2. a rádio novelo é gratuita para os ouvintes, financiada por (vocês sabem, né?); 3. a rádio novelo tem uma equipe de marketing ótima, e seus posts no instagram tanto alcançam as pessoas, quanto instigam-nas a ouvir os episódios. o que os livros, e mesmo a Piauí, não têm: não são gratuitos, nem acessíveis; os escritores não têm público fiel; as editoras não sabem ou não dão conta de divulgar sequer os livros e autores premiados e os próprios autores, então, principalmente esses dessa geração que está agora com os seus 40/50 anos, como se vê, também são capengas na divulgação. parece, olhando assim, que ninguém, nem as editoras, querem vender livros — ou elas desistiram e continuam por inércia ou seus best sellers estão dando conta de pagar os outros. será? ou no brasil, ninguém lê?
ou então, é o formato da narrativa em áudio, que pode ser ouvida enquanto se lava a louça, corre na esteira ou se dirige, que facilita a disseminação? é o próprio meio, do que ele é feito e de como se interage ele — palavra ou som? ler ou ouvir? —, ou é a divulgação, a publicidade e etc, que um tem e o outro não? e será que a narrativa contada na própria voz da denunciante, apesar de ser muito bem preparada e editada — vi uns comentários por aí que dizem que há partes iguais tanto no seu livro quanto no texto da Piauí — impacta mais? é a voz que impacta ou o fato de ser contada em primeira pessoa, não como ficção, como os dois livros se apresentam, nem como autoficção, mas como relato? é o relato, é a verdade que quer o povo?
sequer analisei aqui todo o fenômeno que ocorre em volta do podcast, para além dos pronunciamentos dos envolvidos. com certeza, o print com os e-mails dos envolvidos e a imagem com a foto de cada um deles, ajuda bastante na tamanha relevância que tomou o assunto, esmiuçando-se numa fofoca infinita. agora, também rola por whatsapp o próprio e-mail do ex-marido que ele teria mandado na época da traição, que faz cair por terra uma narrativa que se viu na maior parte dos pronunciamentos dos cancelados: que o tal grupo do chernobyl não era uma célula misógina, mas sim como um grupo de whatsapp onde se comenta sobre muitas coisas, inclusive mulheres. mas no e-mail vazado (e que não se sabe verdadeiro) há um momento em que o autor diz que escreveu obscenidades no modo full FPC. talvez ele tenha trocado a palavra erecto por duro, talvez tenha sido pior — quem sabe?
depois de sentir, sofrer, observar, rir, conversar com amigas no whatsapp e etc, com todo o universo desse episódio, passei a analisá-lo mais friamente: pela ótica da venda dos livros. como eu previa, e como a Folha noticiou, o livro de Vanessa subiu as vendas em 13.800%. minha amiga, muito sábia, disse que se aumentou tudo isso é porque não vendia nada antes (zeradinho). fico pensando se vai ter procura pelo livro do Laub também — embora mais silenciosa, constrangida. nesse ponto, pode ser a festa dos escritores: uma oportunidade única, rara de vender livros, de distribuir perspectivas literárias.
enquanto procurava o texto do xerxernesky no google, dei de cara com uma citação em uma entrevista de promoção de um livro que dizia o escritor é um parasita social e falava da inutilidade da literatura. não sei se é — mas o que o escritor é, de fato, é um desesperado por vender livros. ninguém lê nada — ninguém lê literatura brasileira contemporânea, que não seja o dragão grávido do CEO, minha namorada é uma mala e essas coisas que vendem na amazon. qualquer migalha caída que se possa esticá-la como se fosse um pão inteiro, é o que escritor fará para promover seus livros, batalhando por eles, e, pior, fingindo que não — ele tenta ser nobre ou intelectual ou político, e no fundo, mora a sua angústia de que todo o seu trabalho, o imenso trabalho que é escrever um livro, acaba despedaçado no momento que os livros chegam (se é que chegam) às livrarias. e eu estou falando, aqui, de gente que publica pelas maiores editoras do país.
talvez o escritor seja um parasita mesmo, porque tem de se sujar o tempo todo. quando Natércia diz que a Mabel procurou o seu marido para divulgar seu livro novo, o que deve ter sentido a própria Vanessa? o seu ex-marido, sócio de uma editora, importante nome, e etc e etc, uma resenhasinha numa piauí-da-vida faz tua vida. eu demorei a aprender, mesmo, que o que faz você de alguém nesse meio é ter os contatos certos. ou ao menos algum contato.
quando eu lancei meu livro, o Noturna — sim, vai aqui um link pra ele, porque lembre-se, qualquer mísera opoturnidade de falar do meu livro, eu vou fazê-lo, mesmo com um amargo na boca, é como um parente problemático, por mais que você finja que o esqueceu e tenta se entregar aos prazeres mundanos da vida, ele está lá, te atormentando, no fundo do incosciente, e você pensa, será que está vivo? — eu não conhecia ninguém. e eu ainda não conheço ninguém, porque valhe-me deus, eu não me enfiei em nenhum mínimozinho círculo literário, nem um pequenino, marginal. mas, na época, seguindo exemplos de escritoras da minha idade, que tem uma estratégia de marketing via redes sociais, achei que podia atingir leitores com posts de instagram. e foram aí, uns meses…! e foram aí… umas coisas assim — putz — é dia da mulher, vou postar, é dia do lgbt, vou postar, e o pior é que você é mesmo feminista e é lgbt, mas é que agora você tem de usar essas coisas para outros propósitos e tudo fica parecendo plástico. depois de um ou dois anos, eu cansei, desencanei de promover, prometi a mim mesma que no próximo (que próximo? rs) eu faria melhor. frustrada, eu costumava me lamentar aos meus amigos mais próximos — o que eu deixei de fazer? qual o meu problema? o meu livro é ruim? fala, fala a verdade, ele é ruim? —, e muito deles responderam que talvez eu não tenha sabido criar uma narrativa coesa em torno do meu livro, que é de contos, e nem mesmo uma narrativa autobiográfica interessante sobre mim mesma.
penei pensando o que eu poderia espremer da minha pequena vidinha que seria interessante a ponto de alguém querer comprar o livro — logo eu que talvez tenha começado a escrever porque minha vida é mesmo comum e que pela escrita é que eu esperava que ela se tornasse extraordinária e eu um alguém e não o contrário — ou eu precisava destilar meus traumas? tinha de me dizer sem-pai, ou filha de pai maluco? tinha de escrever um livro sobre ele? tinha de falar mais da minha irmã — para além do conto que já escrevi — tinha que falar do luto? tinha que falar o quê mais? que eu fiz faculdade de audiovisual, sei lá? que eu fiz técnico de meio ambiente, sei lá? que eu sou escorpião com ascendente em aquário e lua em libra, sei lá? analisei de longe escritoras com mais sucesso que eu: ou elas tinham vindo de um lugar mais interessante que Campinas, ou elas tinham trazido para si contornos muito bem definidos ou elas são porta-voz de lésbicas ou de lutos ou de lutas ou de mulheres que sofreram abusos ou — e eu não estou condenando ninguém, muito pelo contrário, quisera eu — e eu quis muito — ter conseguido criar um contorno mais legível em torno da minha figura — e eu sei o que é — e eu sei o quanto cansa — e eu sei também que isso tudo é verdade, é política, é exposição e é difícil.
e eu também sei que a maioria delas teria, com prazer, dispensado seus rótulos — como muitas tentam se livrar deles — se lhes garantissem que seus livros seriam lidos, ou vendidos, pelo que são, seja lá o que isso signifique.
mas, dia sim dia não, a narrativa pessoal avança terrenos, é catastrófica, poderosa a sua força — parece, às vezes, ser a única, talvez para as mulheres, embora também para os homens — mesmo que eles não deixem isso transparecer num primeiro momento, e achem que estão livres de ser identitários — como por exemplo o tal livro-do-tribunal. é de alguns desses nomes desse antigo FPC que eu pesquei insinuações de que os júris teriam passado a premiar a pessoa escritora (ou seja, seu marcador de identidade) e não a qualidade literária da escrita.
seja lá o que quer dizer qualidade literária, já que os nossos livros — e aqui, ai de mim, eu me inclui num lugar que absolutamente eu não ocupo — sejam bons ou ruins, importa para uns poucos, muito poucos.
eu iria terminar aqui, mas, uma vez mais, gostaria de, já que fiz esse inventário, chamar a atenção que os textos que mais levam chapisco são os das duas mulheres que pularam de gaiato na história— e fico aqui às vezes vendo as pessoas compararem a polidez das desculpas do ex-marido com o texto da esposa — lembrem-se, queridas, pois estou falando com vocês: as mulheres foram as únicas que deixaram vazar qualquer coisa que se parece mais como uma verdade, uma reação humana, impensada e baixa — mais do que a elegância contida, temperada, arrogante desses homens. e eles dão sinais, inclusive, de ter combinado entre si para falar coisas iguais (a comparação do grupo de emails a um grupo de whatsapp se repete em vários textos) como se precisassem acorbertar um crime. não se reclama de falta de sororidade das outras, se nem nós conseguimos também atingir esse estado de espírito que ninguém tem a mínima ideia de como é que se chega lá — todas as lamentações em torno delas são um pouco tristes, como se elas tivessem doentes — e, ai de mim que vou cometer atrocidades poéticas agora, mas o que elas têm é cólera — é excesso — é grito ódio e cinismo — que também está no relato do podcast. ao menos, elas parecem que escreveram sem combinar nada com ninguém — arriscando a própria reputação (e a deles? está realmente em risco ou já já passa?).
Ai Vierinha eu achei tudo ainda mais pq agora mesmo estou usando esta rede social achei atualizadissimo rainha diva
Até agora a melhor análise que li.